domingo, 27 de dezembro de 2020

Retratos

(Imagem daqui)

Mais uma ceia. Três gerações. Algumas ausências vencidas pela tecnologia. Mesa cheia e corações também. Conversas até a madrugada. Despedidas, sorrisos, luar e estrelas. Esquecemos das fotografias, dos papéis de memórias que olharíamos no futuro para falar deste dia. Não faz mal, papéis se perdem, queimam ou molham. 

No intimo sabemos que o que passamos há poucos dias não caberia em nenhum retrato. Nossos rostos e almas livres não se lembraram dos detalhes que a felicidade ocultou. Os anjos no céu registraram e em breve teremos isso para sempre. 

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Por favor, não abaixe o volume!


(imagem: daqui)

Não há motivos para se envergonhar
Também choro por pretéritos mais-que-perfeitos
E em presentes do indicativo
O tempo conjuga bem todas as lágrimas
Palavras, às vezes, são só um erro



quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Retalhos de fins de tarde

(Imagem: daqui)

"Olá! Tem alguém aí?" - Ela fala abrindo a porta, sorrindo. Eu sempre me escondo na cozinha esperando ela passar direto para surpreende-la. Ela sabe que não sou tão criativo em esconderijos quanto sou em fugas, mas a reação é a mesma enquanto o vento inunda tudo por causa da porta aberta do apartamento. Então sempre sorrimos e largamos as coisas pelo chão, as coisas que eram importantes lá fora até o exato momento em que passamos por aquela porta. À tarde o frescor é tão legal. Eu sei que está quente lá fora. Todo mundo sabe. Mas nada disso consegue nos alcançar, a não ser de forma subliminar. 

Eu tinha um grande herói nos tempos de faculdade. Era o Dilbert. É, esse mesmo das tirinhas. Meus colegas diziam ser um mal sinal e alguns professores perguntavam o que eu estava fazendo ali quando sabiam. Mas sempre pensei que o Superman teria sido mais legal se, quando botasse os óculos, se transformasse nele. Seria uma ótima maneira de se salvar depois de salvar o mundo. Mas heróis são estranhos. O Dilbert não era estranho. Era mais lógico que a matemática aplicada nas tardes em sala de aula. Talvez fosse só um lugar errado e eu nunca assumirei.

Essa semana "reencontrei" dois grandes amigos e lembramos de nossas vidas juntos, nossas tardes juntos. Enquanto a ligação e as mensagens de texto eram trocadas, eu tive a certeza de que, em algum lugar do universo, nossas lembranças são coisa sólida acontecendo novamente. Há coisas tão felizes dentro de nós que quando a voz do outro lado nos faz recordar levanta até uma dor. E é bom, mas também tão melancólico, pois fico pensando quem sustentará tudo isso quando já tivermos passado. Mas também é  como se, profundamente, houvesse uma certeza de que o universo está aí por causa de nós e de que não haverá esquecimento. 

Nossas lembranças mantém universos inteiros e não quero aceitar o que acontecerá com eles quando tivermos partido. Toda a vida é passado e futuro, mas o presente é infinito. Apesar de ser o único lugar em que estamos, nenhum ser humano cabe no presente - Estou convicto disto desde o fim de tarde de hoje - É por isso que sustentamos universos dentro de nós.

sábado, 31 de outubro de 2020

Não é isso

(imagem: daqui)

Lembro da semana passada quando você rasgou meu olho ao perceber que ainda cultivo gostos antiquados para os tempos em que vivemos. Tempos que suas mãos estão construindo. A lâmina perfurou a íris por puro reflexo do corpo ao tentar livrar a cabeça de ser decepada. 

Você lamenta por eu ter ficado de pé, pois tem certeza de que eu aprenderia mais vivendo como você vive. Mas eu rejeitei o mundo perfeito e cheio de possibilidades me oferecido como chantagem. A mim e a todos os meus amigos. Eles se renderam, desistiram para não serem excluídos de suas listas, não serem cortados do seu baile e não receberem nomes que não os de seus nascimentos. Você sabe que eu não me anularia a esse ponto para caber no novo mundo livre que você disse. 

Posso estar vivendo a vida por um olho agora, mas ainda choro a liberdade pelos dois. Você pode ver as lágrimas em cada lado do rosto secando nas bochechas. Em apenas um olhar ainda posso enxergar a melancolia desse mundo cheio de possibilidades, mas que resolveu ser um mundo de cegos com lâminas que ferem e de gente que precisa lutar todos os dias para continuar conseguindo enxergar. 

Você lembra dos tempos passados, dos lugares em que juntos víamos tudo? 


segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Gratidão

(Vídeo: daqui)


Por não estarmos sozinhos. Por toda a liberdade para sorrirmos. Pelas dádivas que nos alcançam enquanto nem as percebemos ainda. Pelo livramento.
Devemos tudo aos cuidados de Quem está além das nuvens. Do Único que criou todas elas e nos fez para sermos preenchidos com a Sua felicidade. A data de hoje é só uma coincidência. Esse é um agradecimento tardio, mas eterno. Obrigado! 

Todo o mal passará, eu sei!

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Kokura

(Foto de Rio Kuncoro no Pexels)

Hoje pela manhã, conversava com uma senhora enquanto esperávamos o calor esquecer de nós. Desejava uma nuvenzinha de algodão por algumas horas, então ela me contou a história de uma cidade que foi salva por nuvens de algodão há muitos e muitos anos durante a segunda grande guerra. Seus pais puderam ver os filhos crescerem e eles puderam sorrir, embora o mundo continuasse o mesmo. Foi uma benção aquelas coisas tão leves terem surgido em suas vidas.

Ao lembrar das palavras dela, meu espirito se encheu de esperança, apesar de o mundo ter permanecido o mesmo. Ela perguntou antes de irmos embora, o que eu desejaria se me fosse possível alguma coisa mudar. Olhei para cima e pedi que coisas leves como nuvens pudessem ser instrumentos de milagres amanhã, e falei que desejava que os filhos de Francis Nash tenham a mesma sorte que os filhos de Kokura.

Ela não entendeu. Eu não pude explicar. Mas ela me sorriu dizendo que contra o mal todo desejo se realiza.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

O Mundo de hoje de manhã

(Imagem: daqui)

Não consigo recordar quando tudo começou a mudar. A primeira lembrança foi de quando resolveram substituir empatia por outros termos. Mas não sei o que veio antes. Depois veio um turbilhão.
Já não era mais possível se colocar no lugar do outro apenas por ter sangue nas veias e algo no coração. Era preciso mais, o mesmo tom, o mesmo local de origem. Então percebemos que estávamos classificados em grupos e toda vez que tentávamos nos abraçar parecia que eramos um jogo de lindas bonecas Matrioscas, mas na verdade viramos cebolas descascadas até sobrar quase nada. Apenas o choro era verdade.

As nossas profundidades e vazios nos distanciam, mas não era assim há pouco tempo. Sempre fomos tão diferentes e isso nunca foi um problema. Depois da escola, nos fins de semana, ao ligar a TV. Nada disso nunca nos ocorreu. Chamar de inimigo e se afastar de alguém que abraçávamos todos os dias no intervalo de uma aula comum, num fim de dia comum, soa como se a humanidade tivesse sido abduzida. Não! Nós demos nossa própria humanidade de presente para alguém que sequer conhecemos. E agora obedecemos ordens e conselhos de um vulto distante.

O seu perfume ainda está em minhas roupas, todas as conversas, todos vocês.
Nunca nos perguntamos para que time torcíamos antes de decidir se era licito ligar ou se importar. Quem nos ensinou isso agora? Na porta da escola tudo parecia claro. Eramos nós e o mundo ao redor, nós ao redor do mundo onde agora crescem muros. Quem te ensinou que apenas quem já passou pelo que você passou pode chorar por você? Enquanto também me definho por sua dor, você deixa seus braços abertos para outros que te consolam. Outros que usam o seu lamento como um hino para os empreendimentos deles.

Nossa felicidade é a ruína da canção deles e eles nunca te dirão! Vamos voltar a cantar as nossas músicas! Você nunca se importou com a afinação. Eu sei, pois sou da mesma substância que você. Você e eu somos iguais. Iguais, iguais! Não vamos nos enganar com o sol dessa manhã. Certamente ainda não amanheceu verdadeiramente! Eu não quero mais atirar pedras e chamar isso de liberdade!

Vamos fechar os olhos e quando abrirmos não estaremos do meu ou seu lado do muro, ou do lado do muro que disseram que deveríamos estar. Vai ser dia e haverá canções que não dividam, que aceitem as nossas folhas como antes. Canções sólidas e cristalinas, que deixarão vermos novamente as nossas raízes. No "três" nós podemos começar? Você vem?

1.. 2.. 3!!!

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Nashville

(imagem: daqui)

Uma luz intensa clareia o céu da cidade.
Eu não sabia que haveria uma sequência em Nashville
Depois dos dardos em Nova York, um clarão em Nashville.
Avise aos seus moradores para não se aproximarem desse calor.

São Francisco e Chicago em meus fones de ouvido durante toda adolescência.
Fujam, pois eu as amo! Embora não aguente ver a aparência no espelho.
Fuja Nashville, luz demais cega os olhos! Ela vai queimar sua pele.
Quão diferente poderia ter sido a sua paz se os caminhos do principio fossem sempre trilhados.

Nossos corações estão no campo.
Nossos corações estão com vocês em espera.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Como sair do labirinto (o texto deste mês foi perdido)

(imagem: daqui)

Deveria haver um texto que foi programado há um mês aqui, mas o que aconteceu é que o Blogger vai mudar para uma interface nova e solicitou que experimentássemos ela. Pois bem, mudei e estava editando o texto final, mas ao voltar para a interface de edição nessa interface nova não havia mais nada, apenas a imagem e o título.

Quer dizer, o texto ainda está em minha cabeça, não todo ele, mas a sua essência. A essência é importante, mas ela não vai trazer aquele texto de volta, assim como um segundo beijo nunca traz o primeiro. Eu ainda sei dizer como sair de um labirinto, talvez esqueça se não escrever, mas tô com muita raiva de tudo isso.

Vou voltar a escrever no bloco de notas como há dez anos, copiar e colar aqui. É mais arcaico, mas muito mais seguro. Coisas como esta devem ser o minotauro de todo o escritor. Não que eu seja um. Bom, quando estiver fora desse labirinto falo sobre isso melhor.

Vocês tinham que ver, a interface nova é bem feinha. Um monte de coisa grande e ainda engole o texto dos outros. Não vou reclamar mais. Estou devolvendo o valor do ingresso para esta postagem na bilheteria. Passem lá depois.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Libertos!

(Imagem: daqui)

Eu de mãos dadas pelas calçadas, vento frio de fim de tarde, sol atrás de pequenos edifícios comerciais, rio à frente. Alguém de jeans azul há poucos metros esperando para atravessar a rua com a pele iluminada pelo sol que não me alcançava ainda. Levantei a cabeça e vi os cabelos dela mostrando a ponta da orelha, já era tarde. Os seus olhos me alcançaram enquanto eu mudava a direção dos meus passos.

Minha mão foi puxada para baixo, me fazendo parar e a voz ao meu lado dizia: "estão chamando seu nome, é alguém que você conhece?" Até então estava pensando nas desvantagens de morar numa cidade tão pequena, quando ela fez sinal para o rapaz que a acompanhava esperar enquanto vinha. Fiz uma breve apresentação e perguntei, tentando esquecer as mágoas, como ela estava. Ela olhou para meu lado, sorriu e dirigiu de forma doce palavras em minha direção.

"Eu já te fiz tanta coisa de que hoje me arrependo. Que bom que você está feliz, posso te abraçar?"
"Tá." - Eu não tenho certeza se realmente falei ou se apenas demonstrei que não negava o pedido.

Confesso que até pouco antes do momento em que os braços dela me cercaram, esperava algo diferente de tudo o que viria a acontecer, como o meu assassinato, a transmissão de um vírus mortal  ou policiais saindo de veículos estacionados apontando armas. Mas ela tinha um senso de urgência que eu não conseguia decifrar por não ter passado por coisas que ela passou nos caminhos que andou depois que nos separamos.

Então toda a estrutura do meu corpo estremeceu - era isso!  O cheiro dela ainda era doce e ainda sabíamos ler um ao outro, mesmo com as feridas e as coisas que deixamos pelo caminho - era isso! Eu não sabia que não tinha essa força. Não tinha a menor noção de que podia ser tão fácil assim também.  Como é idiota tentar ser forte o tempo todo!

Ela estava ali feliz na minha frente, olhando a pessoa que acabava de ser apresentada a ela me esperando, e sorria para ambos, liberta.  Metade de mim derretia pela valeta na rua e a outra era levada pelo vento que os carros faziam ao passarem alheios a nós na calçada. Eu nem sabia que estávamos presos, até que aquele gesto me libertou também.

Que sorte nós temos de ainda podermos nos alcançar depois do amadurecimento, para enterrar de vez a mágoa, depois de todo o amor que um dia existiu ter ido embora e antes de todo esse distanciamento chegar.

domingo, 12 de abril de 2020

Mundo analógico

(Foto de Anna Shvets no Pexels)

Estamos mais conectados que toda nossa tecnologia. Os mais atentos veem que sempre estivemos. Perdemos a percepção, não as conexões. Embora não perceber seja o suficiente para abrirem caminhos em que os laços sejam desfeitos.

Hoje estamos todos em casa e um vírus na China foi transmitido para corações aqui no interior da cidade em tão curto tempo. Esqueça a localidade e a desgraça por um momento: o amor em qualquer lugar do mundo também não chegaria? 

domingo, 5 de abril de 2020

Outra fuga

(imagem: daqui)

Mais uma vez decidi correr. Fugir é uma coisa engraçada, você pensa apenas em parar de se machucar ou em não machucar alguém, e no fim das contas, já longe, descobre que levou a culpa de todos os crimes. Não é que as pessoas que estavam ao redor não tivessem sido verdadeiras, é que no desespero o ser humano sempre procura esconder seus cadáveres no quintal de alguém a preferir olhar para si. E, assim como fazemos nos cemitérios, quanto mais longe a culpa estiver melhor. "Quem não deve não foge." Culpado!

Eu deveria voltar e dizer umas poucas e boas, levantar os tapetes, mostrar os videos das câmeras nos corredores provando que eu sempre estive em outros locais. Mas agora, na lama, a paz que um condenado carrega é tão maior a tudo isso que, se a angustia não conseguir te consumir nas primeiras semanas... você confessaria tudo o que não fez para ter desfrutado desse estado antes. E no fim todos sabem que não existiam câmeras nem palavras. Nem palavras.

Não decidi ser a Madre Tereza, mas essas coisas acontecem tão rápido que a água sempre fica no pescoço antes de poder gritar para abandonar o navio. E é bem melhor estar no fundo do mar que ficar presenciando os olhares. O preço é baixar a cabeça quando os homens da lei passarem ou ter que ficar esperando a turba com tochas e paus atravessar, fazendo você se atrasar, perdendo o por do Sol do dia. Mas é só naquele dia, amanhã sempre é diferente.

Todo mundo é a prova de bala, sabe? Quando você descobre isso, dá para aguentar muita coisa. E se defender destruiria tanto de nós, provar ser inocente arruinaria reputações e faria desmoronar famílias inteiras. Eu nem ligo mais se for achado. Da próxima vez que me perceber perseguido ou procurado, quando gritarem: "saia com as mãos para cima!" vou fingir que entendi "você está livre!" e sair soltando fogos, para que me recebam atirando. Mais liberdade que um culpado, só um defunto. Não sinta pena, estou me protegendo também. Há abrigo na cidade, nas horas calmas de ônibus vazios e em uns braços pela noite a fio.

Morrer para o coração dos outros dá uma angustia tão grande. Espero suportar as primeiras semanas... anos. Não suportei das fugas anteriores? Há muita burrice nisto, mas não tem volta. Talvez depois dos primeiros cabelos brancos, quem sabe?


quarta-feira, 25 de março de 2020

"To Sam"

(Foto de Snapwire no Pexels)

Você vai mesmo ficar ai parado e olhando? Você sabe que uma quarentena não é o objetivo final do que querem fazer com a sua vida. Volte para os caminhos antigos! Os caminhos que fizeram o mundo todo te admirar e admirar Aquele que te levantou da perseguição. Todos ao redor respiraram liberdade enquanto você se manteve firme, até aqueles que moravam nas terras da escuridão, quando sabiam que em algum lugar você estava resistindo sem olhar para os lados.

Pare de amar a isca que te deram para se envenenar com o que eles amam. Um embate frontal te deixaria alerta, mas o que estão fazendo agora não é tão sutil quanto todos querem que seja. O único sentido para que você esteja inerte é que passou a amar a escuridão que nos varrerá do mudo. Não tenha vergonha de bandeiras e canções. Quando você amava essas coisas, essas trevas se mantinham tão distantes. Ela está com os pés no centro da sala agora, na casa em que só você tem as chaves.

Se esperar mais, o único meio de se livrar desse mal é lutando de volta como um tirano e dando as mãos ao que só te trará destruição e vergonha. Os caminhos antigos ainda estão ao seu alcance, mesmo que quase ninguém mais queira andar por eles. Não deixe a poeira da estrada te atrapalhar. Toda vez que o vento sopra descortina a beleza que foi deixada como guia sob os nossos pés. Não enxergaremos isso daqui. Não amando o que nos deram para nos destruir por dentro.

Esqueça o aparato tecnológico, as armas, e a busca por querer ser o ouro, a prata, o ferro e o barro. Você só precisa de uma pedra para essa batalha e ela sempre esteve ai, mesmo antes de você chegar. Todo esse lugar foi construído ao redor dela, inclusive. Deixe o vento tirar o pó dos caminhos antigos para você passar por eles. Não admire nem tema o tamanho do mal que se ergue sobre você. Se nunca esquecer que pedras também derrubam gigantes, tudo terminará bem.


segunda-feira, 2 de março de 2020

O novo em você

(Imagem: daqui)

"Esse lugar não traz nada de novo!" É a sua ladainha por quase todo o caminho, em uma ânsia pela contemplação de acontecimentos alheios às nossas rotinas, ou simplesmente por diversão. Esse anseio por ir embora de determinado lugar num mundo tão pequeno, é a prova de que ainda não percebeu sua falta de maturidade e do contemplar verdadeiro.

Aquelas senhoras de que ouvi você reclamar, "sentadas nos bancos esperando o tempo acabar", tão serenas e inacessíveis para olhares à procura do que se convencionou chamar novo e belo, são geralmente alvos a se evitar em praticamente tudo, exceto na longevidade. Mas um dia todas elas foram jovens como nós, a procura de algo novo para gastar a juventude e, não sei se no tempo delas era assim, mas eu posso apostar que elas fabricaram suas próprias felicidades em meio a rotina da vida humana. A vida sempre dá um jeito.

É tão decadente esperar o domingão ou um canal qualquer te dizer, via fibra ótica e wi-fi, o que se deve fazer com nossas próprias mãos quando não estamos edificando o universo ao redor, que preferi o silêncio por enquanto. Os tesouros sempre estão no chão a exatamente dois palmos à frente do umbigo de cada um de nós. É um exercício desafiador achar algo que não está tão alto e também nem tão abaixo, não é? Soa como mediocridade.

Se você aprender a embelezar o que o tempo está fazendo com seu rosto, não sentirá o desespero dos que fazem da busca apenas motivo quando for a nossa geração sentada ali no lugar daquelas quatro. Os tesouros estão enterrados justamente para gastarmos a suavidade de nossas mãos. Dar o nome de juventude a essas duas partes do corpo foi o que atrapalhou nosso processo de enriquecimento. O espirito também é a melhor maquiagem já inventada.

O meu joelho já não é mais o mesmo e meus olhos veem apenas borrões se os óculos forem tirados, percebe? O grande segredo dos grandes tesouros está em manter os umbigos sujos, de modo que possamos percebe-los apenas no momento que for a hora de lava-los. E isso só é possível se nós usarmos as mãos para cavar o chão sob os nossos pés. Tudo é seu, não duvide. É isso que traz beleza à velhice, não depender das ondas viajando acima de nós, querendo nos convencer que as quatro sentadas na praça não são o novo a se buscar.

Muitos perceberam seus tesouros há tempos, de modo que nostalgia vira um lugar para apenas sentir, como quando tomamos um copo d'água, e não um caminho para se viver. As velhas sentadas na praça na verdade nunca envelhecerão, pois a juventude de cada uma foi gasta no chão que sustenta nossos pés e destinos. Mesmo quando tudo já tiver ido embora, como as nuvens no céu que sempre passarão.

Te escrevi tudo isso para explicar o motivo de meus olhos estarem tão marejados ontem de tarde observado senhoras, enquanto você sonhava com o distante. Ainda não temos idade, talvez, para contemplar o novo em nós mesmos, mas podemos escolher cavar ou ser nuvem que chora quando a juventude for embora, torcendo para que estejamos vivos nas conversas de jovens senhoras que nunca compraram os tesouros que os loucos vendiam, porque sabiam o que cada um possui debaixo de seus pés.


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

"Tudo bem"

(Imagem: daqui)

Hoje um homem de ombros largos e pernas finas me chamou de bebê perguntando se eu queria ir mais acima na rua com ele. Eu ri balançando a cabeça para os lados e ele me ofereceu bebida, me chamando para beber. Então falei, "não, não...". Ao pensar que me referia à bebida perguntou o que eu comia. Daí repeti "não, velho. Valeu!
Terminou sorrindo "tá bom", enquanto cantarolava como o Lou Reed fez em take a walk, e disse que pessoas como eu não sabem aproveitar a vida.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

As árvores da Hermes Fontes

(Imagem: Arquivo pessoal 15.12.19)

Eu trocaria a Amazônia e um punhado de ambientalistas por você. Queria estar sentindo a perda como alguém que dá valor a algo apenas na hora do fim, como quem passa sem perceber a todo instante por esse algo, não sabendo diferenciar o objeto de acalanto do resto da paisagem. Assim a dor duraria pouquíssimo tempo. Mas seu cheiro, barulho e até o reflexo do sol no fim da tarde em meio à avenida poluída e barulhenta estão cravados em minha pele e memória desde a adolescência.

Uma vez li uma HQ em que um gangster se opunha ao progresso dos negócios do seu chefe, pois, para isso acontecer, partes da cidade que ele tanto amava (amar era a palavra certa que não foi empregada, mas gangsteres e homens de coração armado como eu dificilmente usam essa linguagem) teriam que deixar de existir. Ele morreu por conta disso. Eu percebo isso agora quando uma parte de você é cortada sob o aclamado pretexto do progresso feito por homens que não se planejam.

Eu venderia cada litro do Atlântico com toda a sua flora, como aquele homem vendia drogas na HQ, para pagar o preço de ver você de pé enquanto transitava para qualquer lugar. Não queria ter me apegado, mas foram tantas partidas que a única coisa que fazia tudo ficar junto e aquecido de novo era o cheiro que você deixava na avenida poluída em determinadas épocas do ano, então os rostos, as vozes e sorrisos voltavam em minha mente como se fossem coisas eternas.

Você deveria ter partido depois de mim, porque ciclistas não servem para nada, e poucos minutos de ganho no transito não são mais importantes que as pessoas que marcaram vidas naquela parte da cidade que só você sabia os caminhos. Esse é o motivo de eu ter me apegado a você como um amigo que traz noticias de quem partiu para longe. Egoismo não é ter a mão no mundo todo e roubar quem tem apenas uma avenida?

Deixe o papo de conformismo para quem gosta de se conformar. Não há pessoas que falam com as paredes e as ouvem? Escolhi um punhado de árvores, as quais nunca perguntei os nomes, e que agora já se foram, para um papel semelhante. Mal não havia. Outros também foram te ver no primeiro domingo depois do inicio do fim. Alguns também tiveram seus caminhos por ali, e nossos olhares diziam:  "Adeus, portal de memórias. Até nunca mais!"


domingo, 19 de janeiro de 2020

"Go home!"


Arrume o que está quebrado. Não jogue tudo fora. Onde não der pé bote a fé. Retribua sorrisos. Preste atenção nos caminhos de volta na estrada. Cresça forte, prefira água. Volte para casa, sentimos a sua falta.