sábado, 1 de fevereiro de 2020

As árvores da Hermes Fontes

(Imagem: Arquivo pessoal 15.12.19)

Eu trocaria a Amazônia e um punhado de ambientalistas por você. Queria estar sentindo a perda como alguém que dá valor a algo apenas na hora do fim, como quem passa sem perceber a todo instante por esse algo, não sabendo diferenciar o objeto de acalanto do resto da paisagem. Assim a dor duraria pouquíssimo tempo. Mas seu cheiro, barulho e até o reflexo do sol no fim da tarde em meio à avenida poluída e barulhenta estão cravados em minha pele e memória desde a adolescência.

Uma vez li uma HQ em que um gangster se opunha ao progresso dos negócios do seu chefe, pois, para isso acontecer, partes da cidade que ele tanto amava (amar era a palavra certa que não foi empregada, mas gangsteres e homens de coração armado como eu dificilmente usam essa linguagem) teriam que deixar de existir. Ele morreu por conta disso. Eu percebo isso agora quando uma parte de você é cortada sob o aclamado pretexto do progresso feito por homens que não se planejam.

Eu venderia cada litro do Atlântico com toda a sua flora, como aquele homem vendia drogas na HQ, para pagar o preço de ver você de pé enquanto transitava para qualquer lugar. Não queria ter me apegado, mas foram tantas partidas que a única coisa que fazia tudo ficar junto e aquecido de novo era o cheiro que você deixava na avenida poluída em determinadas épocas do ano, então os rostos, as vozes e sorrisos voltavam em minha mente como se fossem coisas eternas.

Você deveria ter partido depois de mim, porque ciclistas não servem para nada, e poucos minutos de ganho no transito não são mais importantes que as pessoas que marcaram vidas naquela parte da cidade que só você sabia os caminhos. Esse é o motivo de eu ter me apegado a você como um amigo que traz noticias de quem partiu para longe. Egoismo não é ter a mão no mundo todo e roubar quem tem apenas uma avenida?

Deixe o papo de conformismo para quem gosta de se conformar. Não há pessoas que falam com as paredes e as ouvem? Escolhi um punhado de árvores, as quais nunca perguntei os nomes, e que agora já se foram, para um papel semelhante. Mal não havia. Outros também foram te ver no primeiro domingo depois do inicio do fim. Alguns também tiveram seus caminhos por ali, e nossos olhares diziam:  "Adeus, portal de memórias. Até nunca mais!"


Um comentário:

Du Santana disse...

Queria deixar claro que esse post não é uma indignação ambiental e sim uma resposta ao sentimento de perda e modificação de um local tão intimamente ligado a uma fase de minha vida e de amigos e da coisa que achava mais bonita e poética nele. As figuras de linguagem não significam que eu odeie matas, ambientalistas, ciclistas e o Atlântico, são só para contrastar com a experiência pessoal tida com e nesse local. Como quando choramos quando um parente ou vizinho morre, mas assistimos ao noticiário as mortes de milhões ao redor da mesa, conversando sobre o dia como se os que partiram fossem atores em mais um programa de tv.

Em relação à obra, acredito na necessidade da mudança e na compensação ambiental exigida pela legislação e prometida pelos responsáveis para compensar as 250 arvores que estão sendo derrubadas desde o ano passado.

Se vc quiser entender mais sobre o projeto e suas polemicas recomendo esses videos veiculados na época do anuncio de inicialização da obra. Valeu!

https://www.youtube.com/watch?v=BBWOCqDy0tg&t

https://www.youtube.com/watch?v=TgHFTnCY_Fc

https://www.youtube.com/watch?v=Vjl6NKm6Vyc

https://www.youtube.com/watch?v=u49Vs3gAZGM

https://www.youtube.com/watch?v=DLdNaJYMHx0