quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Todo mundo foi criança III

(imagem: 4 - Nuno Bernardo - Olhares.com)


Percebi a cidade com uns 19 anos, era incrível a noção de pensar e sentir dentro dela à primeira vez. De modo lúcido perceber que há possibilidades.
Quando era criança meus amigos e eu pregávamos uma brincadeira nas pessoas que passavam por nós, "Ei, moço!" - chamava-mos. Quando a pessoa voltava perguntava-mos: "se você não tivesse voltado já estaria onde?". O pessoal ficava fulo da vida conosco. Aprendemos a ficar longe de possiveis cascudos, então, para a brincadeira ficar mais divertida.
Mas tudo o que vai tem volta, e hoje recebi o troco por minhas peraltiçes de alguns tempos atrás.

Quando ouvia um som olhando o céu pela janela, notei o horizonte de casas e prédios então aconteceu. A cidade entrou pela casa e me perguntou - me perguntou jogando seu hálito quente de dia de verão fora de época: "se você não estivesse aqui em mim, onde poderia estar?" Longo tempo de silêncio... Pensei: será que é preciso tudo isso para sermos felizes mesmo?

Parecia haver sorrisos maliciosos e irônicos para mim. Quis pensar em algum lugar para estar que não esse e não veio nada em minha mente, parei e olhei ao redor, como alguém que se percebe preso no espaço e tempo - pela janela sentia os sorrisos irônicos.

Havia outro lugar para estar, vários lugares, aliás. Porém escolhi esse aqui para ser onde quero estar (como quando eles dizem nos filmes: "estou exatamente onde quero estar!"). Os sorrisos irônicos cessaram como quando alguém se espanta ao ser descoberto em segredo. Descobri um segredo das cidades. Hoje eu sei -assim como aquele pessoal que zoava-mos na rua - hoje eu sei que estou só de passagem, e essa foi minha resposta a ela. Você nos prende e condiciona as vidas aos seus caprichos pois foi feita para nós, mas nós não fomos feitos para você. Sei exatamente onde estou e onde quero estar.

Diz pra mim, quem vai sorrir agora?