sexta-feira, 14 de junho de 2019

Às brechas do mundo também!

(Imagem daqui)

Ela achava tudo o que era antirrevolucionário lindo. Quando andávamos juntos destruíamos coisas enquanto reparávamos as brechas nas paredes de casa, cada um à sua maneira. Não percebi como se deu o momento de sua guinada, mas posso ter quase certeza de que foi reparando as paredes de casa.

E eu com os meus tênis vermelhos que nunca usei, olhava para sua pele com olhos tão estranhos nos tempos em que fazíamos moradas nas desconstruções... nos tempos em que ainda não havia chegado o momento que estariam incentivando a classificar parentes e amigos por suas opiniões e gostos pessoais, nem lançando seus rostos na lama ou contra salivas. Mas ela pedia para que prestasse mais atenção aos alicerces enquanto apontava para o céu.
Ela sempre estava olhando para o céu.

Eu só achava que tudo poderia ser de todo jeito e quem dizia que não, que fosse ignorado. "Ninguém, com outras possibilidades, mora numa demolição por muito tempo. Se você só estiver aqui por pura diversão poderá não perceber quando a maré virar sobre sua cabeça. Os construtores de demolição sempre revertem a maré por cima de quem aceitou os cacos como abrigo."
Ela sempre tinha os dois pés firmes no chão.

Toda maneira de não ver é apenas um modo bonito de fracasso, ainda que a lua brilhe sobre nossas cabeças. "Quando os entulhos subirem até o horizonte, eles varrerão tudo e farão outros alicerces e outras coisas sólidas, mas serão apenas miseráveis alicerces para miseráveis coisas sólidas."

Então todas essas bandeiras permaneceriam como lembrança enquanto as mãos que as empunharam estariam sob um oceano de sangue num mar de esquecimento feito para que miseráveis alicerces pudessem surgir de nossas miseráveis ideias compradas?

O que veio foi apenas um olhar como resposta. Mas eu ainda estava acostumado demais acreditando que tudo poderia vir do nada e não notei como amava aquela destruição apenas por nunca ter olhado para o céu e percebido suas raízes.
Foi um caminho sem volta já desde o primeiro momento, quando encarei o seu sorriso tão antirrevolucionário e sua paz ao ser cuspida por multidões desconstruídas que vagavam sobre alicerces de futuros muros.

É uma sensação tão boa pegar de volta os próprios pedaços jogados no chão de entulhos que agora entendo como todo o sacrifício para ver outros despertarem faz te sentir que vale a pena. Ela sabia!
Era assim, sorrindo, que ela reconstruía pessoas enquanto reparava as brechas e os alicerces do mundo!