segunda-feira, 4 de maio de 2020

Libertos!

(Imagem: daqui)

Eu de mãos dadas pelas calçadas, vento frio de fim de tarde, sol atrás de pequenos edifícios comerciais, rio à frente. Alguém de jeans azul há poucos metros esperando para atravessar a rua com a pele iluminada pelo sol que não me alcançava ainda. Levantei a cabeça e vi os cabelos dela mostrando a ponta da orelha, já era tarde. Os seus olhos me alcançaram enquanto eu mudava a direção dos meus passos.

Minha mão foi puxada para baixo, me fazendo parar e a voz ao meu lado dizia: "estão chamando seu nome, é alguém que você conhece?" Até então estava pensando nas desvantagens de morar numa cidade tão pequena, quando ela fez sinal para o rapaz que a acompanhava esperar enquanto vinha. Fiz uma breve apresentação e perguntei, tentando esquecer as mágoas, como ela estava. Ela olhou para meu lado, sorriu e dirigiu de forma doce palavras em minha direção.

"Eu já te fiz tanta coisa de que hoje me arrependo. Que bom que você está feliz, posso te abraçar?"
"Tá." - Eu não tenho certeza se realmente falei ou se apenas demonstrei que não negava o pedido.

Confesso que até pouco antes do momento em que os braços dela me cercaram, esperava algo diferente de tudo o que viria a acontecer, como o meu assassinato, a transmissão de um vírus mortal  ou policiais saindo de veículos estacionados apontando armas. Mas ela tinha um senso de urgência que eu não conseguia decifrar por não ter passado por coisas que ela passou nos caminhos que andou depois que nos separamos.

Então toda a estrutura do meu corpo estremeceu - era isso!  O cheiro dela ainda era doce e ainda sabíamos ler um ao outro, mesmo com as feridas e as coisas que deixamos pelo caminho - era isso! Eu não sabia que não tinha essa força. Não tinha a menor noção de que podia ser tão fácil assim também.  Como é idiota tentar ser forte o tempo todo!

Ela estava ali feliz na minha frente, olhando a pessoa que acabava de ser apresentada a ela me esperando, e sorria para ambos, liberta.  Metade de mim derretia pela valeta na rua e a outra era levada pelo vento que os carros faziam ao passarem alheios a nós na calçada. Eu nem sabia que estávamos presos, até que aquele gesto me libertou também.

Que sorte nós temos de ainda podermos nos alcançar depois do amadurecimento, para enterrar de vez a mágoa, depois de todo o amor que um dia existiu ter ido embora e antes de todo esse distanciamento chegar.

Um comentário:

Du Santana disse...

Olá, Luiz! Sigo sim. Belíssimas fotos!