quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Retalhos de fins de tarde

(Imagem: daqui)

"Olá! Tem alguém aí?" - Ela fala abrindo a porta, sorrindo. Eu sempre me escondo na cozinha esperando ela passar direto para surpreende-la. Ela sabe que não sou tão criativo em esconderijos quanto sou em fugas, mas a reação é a mesma enquanto o vento inunda tudo por causa da porta aberta do apartamento. Então sempre sorrimos e largamos as coisas pelo chão, as coisas que eram importantes lá fora até o exato momento em que passamos por aquela porta. À tarde o frescor é tão legal. Eu sei que está quente lá fora. Todo mundo sabe. Mas nada disso consegue nos alcançar, a não ser de forma subliminar. 

Eu tinha um grande herói nos tempos de faculdade. Era o Dilbert. É, esse mesmo das tirinhas. Meus colegas diziam ser um mal sinal e alguns professores perguntavam o que eu estava fazendo ali quando sabiam. Mas sempre pensei que o Superman teria sido mais legal se, quando botasse os óculos, se transformasse nele. Seria uma ótima maneira de se salvar depois de salvar o mundo. Mas heróis são estranhos. O Dilbert não era estranho. Era mais lógico que a matemática aplicada nas tardes em sala de aula. Talvez fosse só um lugar errado e eu nunca assumirei.

Essa semana "reencontrei" dois grandes amigos e lembramos de nossas vidas juntos, nossas tardes juntos. Enquanto a ligação e as mensagens de texto eram trocadas, eu tive a certeza de que, em algum lugar do universo, nossas lembranças são coisa sólida acontecendo novamente. Há coisas tão felizes dentro de nós que quando a voz do outro lado nos faz recordar levanta até uma dor. E é bom, mas também tão melancólico, pois fico pensando quem sustentará tudo isso quando já tivermos passado. Mas também é  como se, profundamente, houvesse uma certeza de que o universo está aí por causa de nós e de que não haverá esquecimento. 

Nossas lembranças mantém universos inteiros e não quero aceitar o que acontecerá com eles quando tivermos partido. Toda a vida é passado e futuro, mas o presente é infinito. Apesar de ser o único lugar em que estamos, nenhum ser humano cabe no presente - Estou convicto disto desde o fim de tarde de hoje - É por isso que sustentamos universos dentro de nós.

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