segunda-feira, 2 de março de 2020

O novo em você

(Imagem: daqui)

"Esse lugar não traz nada de novo!" É a sua ladainha por quase todo o caminho, em uma ânsia pela contemplação de acontecimentos alheios às nossas rotinas, ou simplesmente por diversão. Esse anseio por ir embora de determinado lugar num mundo tão pequeno, é a prova de que ainda não percebeu sua falta de maturidade e do contemplar verdadeiro.

Aquelas senhoras de que ouvi você reclamar, "sentadas nos bancos esperando o tempo acabar", tão serenas e inacessíveis para olhares à procura do que se convencionou chamar novo e belo, são geralmente alvos a se evitar em praticamente tudo, exceto na longevidade. Mas um dia todas elas foram jovens como nós, a procura de algo novo para gastar a juventude e, não sei se no tempo delas era assim, mas eu posso apostar que elas fabricaram suas próprias felicidades em meio a rotina da vida humana. A vida sempre dá um jeito.

É tão decadente esperar o domingão ou um canal qualquer te dizer, via fibra ótica e wi-fi, o que se deve fazer com nossas próprias mãos quando não estamos edificando o universo ao redor, que preferi o silêncio por enquanto. Os tesouros sempre estão no chão a exatamente dois palmos à frente do umbigo de cada um de nós. É um exercício desafiador achar algo que não está tão alto e também nem tão abaixo, não é? Soa como mediocridade.

Se você aprender a embelezar o que o tempo está fazendo com seu rosto, não sentirá o desespero dos que fazem da busca apenas motivo quando for a nossa geração sentada ali no lugar daquelas quatro. Os tesouros estão enterrados justamente para gastarmos a suavidade de nossas mãos. Dar o nome de juventude a essas duas partes do corpo foi o que atrapalhou nosso processo de enriquecimento. O espirito também é a melhor maquiagem já inventada.

O meu joelho já não é mais o mesmo e meus olhos veem apenas borrões se os óculos forem tirados, percebe? O grande segredo dos grandes tesouros está em manter os umbigos sujos, de modo que possamos percebe-los apenas no momento que for a hora de lava-los. E isso só é possível se nós usarmos as mãos para cavar o chão sob os nossos pés. Tudo é seu, não duvide. É isso que traz beleza à velhice, não depender das ondas viajando acima de nós, querendo nos convencer que as quatro sentadas na praça não são o novo a se buscar.

Muitos perceberam seus tesouros há tempos, de modo que nostalgia vira um lugar para apenas sentir, como quando tomamos um copo d'água, e não um caminho para se viver. As velhas sentadas na praça na verdade nunca envelhecerão, pois a juventude de cada uma foi gasta no chão que sustenta nossos pés e destinos. Mesmo quando tudo já tiver ido embora, como as nuvens no céu que sempre passarão.

Te escrevi tudo isso para explicar o motivo de meus olhos estarem tão marejados ontem de tarde observado senhoras, enquanto você sonhava com o distante. Ainda não temos idade, talvez, para contemplar o novo em nós mesmos, mas podemos escolher cavar ou ser nuvem que chora quando a juventude for embora, torcendo para que estejamos vivos nas conversas de jovens senhoras que nunca compraram os tesouros que os loucos vendiam, porque sabiam o que cada um possui debaixo de seus pés.


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