terça-feira, 21 de dezembro de 2021

As canções de Natal e de Ano Novo

(Imagem: daqui)

Toda vez que o Natal se aproxima, uma leve melancolia toma conta de Dezembro a partir de sua segunda metade. Ela não me alcança de forma direta, mas abraça algumas pessoas queridas ao redor, me dobrando por um tempo. Fico feliz por esse sentimento estar sendo cada vez mais raro com o passar dos anos. Mas agora há também uma espécie de alívio por poder ser feliz sem culpa depois de ter aceitado a impossibilidade arbitrária nessas datas de não poder estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. 

Como filho de pais separados, passava cada fim de ano com uma parte da família. Era tão normal quanto todas as famílias que passam o fim de ano de jeito que elas passam. Só as fotografias que ficavam me devendo mais gente. Eu gosto muito das cores, comidas, das conversas e da noite. Gosto também das luzes. Elas nunca foram amigas de meus olhos, mas de noite algumas são aceitáveis. Ninguém que se importa deveria passar datas como essas sem lembranças de momentos felizes.

Lembro de um Natal onde fiquei de me encontrar com parte de minha família na nova casa de amigos e acabei entrando em uma casa desconhecida por engano. As pessoas dali me receberam e conversaram comigo. Todos que me abraçavam achavam que alguém naquela casa me conhecia e me tratavam bem por respeito à ela, falando de coisas de suas vidas e de como estavam felizes por eu ser amigo dessa pessoa da casa que achavam que tinham me convidado para estar ali e que nunca existiu. Esse é um sentimento que dá segurança ao mundo, sustenta ele até aqui, certamente. 

Acho que fiquei ali por tempo suficiente para me atrasar para a minha família, mas também entendi que aquelas pessoas também tinham outras pessoas que não podiam estar especificamente ali naquele dia. E que a felicidade delas naquele momento era uma forma de fazer todos os outros felizes, até os ausentes. Então uma coisa nesse sentimento me mudou para sempre, como quando nas músicas suaves é introduzida uma batida de bumbo a cada tempo no peito. E essa mudança foi a certeza de que, uma coisa é dobrar com um sentimento que você nem sabe o nome, mas suporta por fazer parte de todos, e outra é, daí em diante, sorrir com entendimento, por entender que isso faz parte de todos.

Se você não ficar olhando diretamente para as luzes, vai ver que o fim do ano é como as canções que tornam um momento mais leve enquanto são ouvidas, pois trouxeram um entendimento que só aquele período poderia trazer.  
Sei que, mais uma vez, não estarei em mais de um lugar ao mesmo tempo este ano. Só que agora há uma canção leve no peito dizendo que está tudo bem. Que pode-se ser feliz com essa arbitrariedade de nossa incapacidade de onipresença nessas ocasiões.  

Lembro que nos anos 90 o ano durava 365 dias, hoje ele passa em uma semana. Seja feliz. Não desperdice isso.

domingo, 21 de novembro de 2021

Motivo aleatório

(imagem: daqui)

O último raio de sol que alaranjava o céu inteiro do fim da tarde, o castanho do seus olhos e o amarelo de seus cabelos que ficaram da mesma cor do seu olhar depois que você cresceu. O tom, o cheiro e a forma de nossas vidas naquela escola e de cada um de nós depois de tudo. As brincadeiras, o beijo, o riso. Os desencontros e o choro. Todas essas coisas voltavam à memória pelo motivo mais banal sem dar explicação. 

Relembrar que vivemos tudo isso sem nenhuma experiência, como quem dá um triplo mortal sem uma rede para amortecer as quedas, me deixava surpreso em como a vida permite sentimentos tão gigantescos em corações tão pequeninos.
Não entendíamos o sentido, nem aos sete e nem depois dos quatorze. E não havia um ser ao redor que desse bola para o que dizíamos. O que veio depois disso foi o avassalador desejo de reviver o que foi bonito, pela pureza e verdade de que só quem não sabe que pode quebrar o pescoço pela altura que pula consegue realizar. 

Havia um tempo em que qualquer motivo aleatório trazia de volta uns braços ao redor, o sorriso e o beijo. Hoje eu me peguei pensando nisso e em como a vida usa nossos cândidos saltos despreocupados, para transformar nas redes a tecer a segurança do amanhã que nem imaginávamos existir em separado. 
Todo amor que vivemos, e que um dia nem teve tempo de despedida, serviu para nos provar que o mundo é belo e vale a pena toda vez que a realidade viesse nos bater o contrário. 

Nos achamos e desencontramos para que pudéssemos entender o que não deixar ir quando a vida trouxesse o que completasse nossa felicidade. Foi esse o motivo de termos nos ligado. É esse o motivo de sorrimos hoje em separado, não era para ser pra sempre. Estamos gratos pelo que nos foi trazido agora como se fosse a primeira vez. Essa foi a maneira mais bela que a vida arrumou para nos fazer aprender. 


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Adeus à cidade


(Imagem: daqui)

Eles levaram tudo
Eles levaram tudo pra o outro lado da cidade
Nada mais é como antes
Nada mais é como antes que bom que seja para a cidade

Te encontrava às tardes e não podíamos voltar
Por aqueles dias não dava pra adiar
Os desencontros em nossa idade
Ainda não mandávamos em nossas vontades

Eles tiraram tudo
Eles tiraram tudo o que havia de nós na cidade
Agora nos perdemos fácil
Nos perdemos tão fácil nos caminhos de infância

Seu nome escrito em papéis de cartas
E hoje em dia números bastariam
Pra te encontrar na cidade
Somos lembrança e fotografias

Te vi um dia com sua nova família
Te reconheci
Pelo sorriso e os brincos

Você perguntava
Se ficavam bonitos
Em você e na cidade

Nós nunca dissemos adeus
Nós nunca fomos apresentados
À palavras tão sem sentido

(Adeus a você e à cidade)


terça-feira, 21 de setembro de 2021

Aula de inglês

(Imagem: daqui)


Qual o seu nome?
Prazer em conhecer!
Quantos anos tens?
De onde você é?

Boa noite!
Até mais!
Não consigo entender
Como posso dizer
Os sons dos corredores?

Onde estamos mesmo?
É tão familiar
Quantas vezes nós
Demos voltas, voltas, voltas?

Quadros na parede
Estou me mudando
Estou procurando
Estou procurando
O som do seu nome

sábado, 21 de agosto de 2021

Os olhos não veem o que o coração não sente

(Imagem: daqui)

Na nossa pluralidade de pessoas iguais por dentro, o ódio é o novo amor dos que querem mudar o mundo de ambos os lados. O novo amor não nos deixa sentir os laços antigos de amizade e união. Mas eles estão em cada esquina, nas mesmas casas, e-mail, rede social e numero de telefone. 
Quando passamos a tomar para nós convicções, nossos afetos ficaram incertos, distantes e difíceis de enxergar. 

Nos retratos e lugares que passamos existem agora pessoas a evitar onde antes haviam amigos, irmãos e outros modos de amor. Elas são as mesmas pessoas de antes que a convicção impediu  o coração de ver. O colírio para a cura encontra-se no tijolo que sustenta nossas novas certezas e só pode ser alcançado se ele for quebrado. 

Por enquanto, e só por enquanto, os olhos não veem porque os corações não sentem. Mas tudo isso passará.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Sobre o nada

(Imagem: daqui)


O nada é uma pradaria de gigantes
De um profundo que não podemos conceber
Um outro nome para essa altura
É o intervalo de tudo
Do todo de todos
Do limite onde a existência toca o seu oposto
E a tudo inunda com sua água

É a fronteira da linguagem, da compreensão
É o universo sem nós para os que se importam com egos
É o ego mortificado quando semeia-se o amor
Como uma menina que canta quando devia estar no trabalho
E trabalha cantando pois sabe que tudo é uma coisa só

Infinitos universos caberão ali
Não é nada que se possa medir
Está dentro e fora de nós e sendo preenchido
Ficando invisível aqui no meio da sala
É só uma medida para nos situarmos
Mas está errada, pois não é nada do que sabemos. 
Não é nada.


segunda-feira, 21 de junho de 2021

Aracaju blues


(Imagem: de um retorno pra casa)


Atire
Atire pra o céu
Derrube as estrelas
Atire mais uma vez
Bem em meu coração
Bem em meu coração!

Demonstre
Demonstre a grandeza 
Que você herdou
Demonstre mais uma vez
Todo amor por quem te odeia
Tanto amor por quem só te odeia!

E de tão longe assim
É seguro mentir 
E te deixar feliz

E você sente-se tão feliz
Ou um pouco enganado
É, um pouco enganado

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Volto ao amanhecer

(Imagem daqui)

É tão interessante perceber que a cada ano de chuvas a antiga cidade alaga mais. 

Há dois lugares que sempre volto para dentro, dois lugares de dois períodos da vida, quando quero estabilizar as coisas. E aqui fora já não é como se fosse eu quando chego neles. Quando estou lá tudo me basta e o agora não tem importância. É como se ficasse estagnado no presente enquanto a vida está correndo dentro de mim. Frio por fora, quente na mente. E a mente molda o mundo sem precisar sorrisos. Foi assim que afastei muita gente. Minha droga. 

Todas as pessoas que chegaram perto o suficiente para perceber que parecia haver dois em um só nesses curtos períodos de tempo se afastaram, mas elas não deveriam se sentir culpadas, pois eu aplainei os caminhos para elas partirem sem pensarem em voltar. Sem sentir culpa por isso. Mas você me seguiu até aqui e eu não pude entender a razão. 

Há um terceiro lugar aqui dentro e eu raramente me dou conta quando chego - eu nem sei se chego ou se ele me inunda - ele é o deserto. E você estava lá naquele dia enquanto eu estava ali despido por dentro. Como você conseguiu chegar sem pensar em ir embora?

Nos outros dois lugares sempre diziam que era como se houvesse outra pessoa. Alguém já me falou que eu parecia ser uma outra pessoa e que havia outro de mim por aí. E de todos que chegaram perto o suficiente para perceber isso me distanciei. Elas não tinham culpa. Eu só tinha medo. Eu não as ignorava, eu ignorava o presente e boa parte do que estava inserido nele. Eu dizia pontos de vista, mas eram pontos de fuga. Mas você me viu no deserto, não consigo entender como.

Eu pensei em perguntar como havíamos chegado ali, ou o que havia te atraído, mas você olhava como se soubesse que o deserto é tempo e não caminhos. Foi por isso que você me seguiu? Você sempre soube que o deserto com alguém deixa de existir?

Sempre que chove aqui na cidade e na cidade vizinha, parece que tudo sempre alaga mais que na vez anterior. Mas esse ano foi diferente. Eu não sei explicar. Credito isso ao fato de ter muito mais gente trancada dentro de casa e trancada dentro de si por conta disto. 

Eu encontrei dois pontos de fuga em minha escuridão, dois pontos de luz. Mas eu sei que é muito escuro dentro de nós, para ficar tranquilo por todos os trancados durante o mal que nos sobreveio esses últimos anos.  É por isso que quando encontramos essa pequena luz, não queremos mais sair de lá. E fugimos de quem descobre que andamos por esse caminho, ou dos que dão o menor sinal de que vão nos descobrir. 

As pessoas mais importantes, todas as que chegaram perto o suficiente de um "parece haver dois de você!", elas não tem culpa. Há paisagens estáveis que precisam ser visitadas, partes delas não existem mais no mundo lá fora. Você sabe que elas não existem mais. 


sexta-feira, 7 de maio de 2021

Às vezes

(Imagem: daqui)

Não há problema em a cidade amanhecer desse jeito. É porque, toda vez que chove, parece que o tempo para. Isso não é o mesmo que desejar sentir que tudo inunde ou que a chama se apague.

No som da chuva, a vida se acalma e nosso espirito se expande pelo silêncio causado no mundo e em nosso ser, por conta da música nos telhados e folhas.

Manhãs chuvosas são como canções em shoegaze.


quarta-feira, 21 de abril de 2021

O herege da pós-modernidade

 (Imagem: daqui

Os homens que querem mudar o mundo, lutar pelo bem universal e pela igualdade na terra, vieram até a minha porta hoje outra vez. Na verdade eles nem precisariam, já que estão em minha TV e smartphone lá dentro de casa. Me aconselharam que era bom questionar as coisas e abrir sempre a mente. Mas eu não caí nessa conversa. Sei o modo que serei tratado se questionar determinadas coisas na frente deles, pois outros vieram antes. Mesmo sem precisar. 

Quando, ali encostado no portão, lembrei de certas coisas ocorridas nos últimos anos e há poucos meses - como amigos amáveis agora abduzidos e meio mundo fazendo chacota de uma mulher contando o relato de seu estupro, por ela não ser como eles, como se rir disso fosse ok enquanto agora desrespeitar uma robô que nem existe é o fim do mundo e algo a ser levado à sério - e ri daqueles homens. Eles não entenderam. Eu não sou de explicar. 

Nesse quase um quarto de Século XXI, nosso relativismo moral faz entender como chegamos à brutalidade das três grandes ideologias nefastas do Século passado e, comparado a situação de pandemia atual e até da Peste há cem anos, esse mesmo relativismo faz ambas serem simples "gripezinhas". Não há vírus mais nefasto que uma forma de pensar ancorada no nada, levada pela maré ao sabor do desejo de posse ou liberdade da moda. Assim abrigamos o que mais infecta a raça humana desde o seus primórdios: a indiferença com quem está em nossos caminhos.

Aquele portão ficou fechado e os homens foram embora. Mas eles não são homens de ir embora, pois sabem que já não encontram tanta resistência ao seu evangelho. Temo o que o resto desse século nos reserva, embora não ligue muito. As palavras são doces e quase convencem, mas eu vi o que elas podem fazer na prática até às pessoas que são amáveis. 

Depois de decretarem a morte de tudo o que é sagrado, agora existe um outro evangelho a ser pregado. Mas eu não sou dos que dizem amém para ele. Eles não vão me ver ajoelhar. Prefiro trilhar com os outros por um outro caminho, ainda que agora estreito e impopular.


quarta-feira, 14 de abril de 2021

Aos que vieram "de além desse monte" e às crianças que hoje nele brincam!

                                          

(Vídeo: daqui)

Num dia 14 de Abril, há 76 anos, a Força Expedicionária Brasileira rompia a linha de defesa alemã que impedia a retomada da Itália pelos aliados no evento conhecido hoje como A Batalha de Montese. Foi uma das frentes em que mais soldados brasileiros sofreram baixas na Segunda Guerra. Nossos pracinhas chegaram em terreno hostil, sem equipamento eficaz (os americanos doaram uniformes contra o frio e armas) e lutaram contra uma das maiores máquinas de guerra da história.

Até pouco antes da pandemia, crianças se reuniam com suas famílias na região que está liberta ainda hoje na Itália para cantar a Canção do Expedicionário em nossa própria língua, como forma de reconhecimento e gratidão aos heróis que ali lutaram e aos que não voltaram.
É emocionante ver idosos e adultos olhando suas crianças balançando pequenas bandeiras e cantando uma canção em outra língua que não a de nascimento. 

Naquela época, muitos outros pais e avós de filhos e netos que hoje poderiam existir, foram privados de suas vidas e liberdades para que sonhos mesquinhos pudessem aflorar, e parte do mundo se uniu contra. Nós fizemos parte disso! Pensar que hoje acusamos uns aos outros do que um dia lutamos para por um fim tão longe de casa, a um custo de nosso próprio sangue, é de envergonhar. 

Ao ver crianças, frutos dos feitos que menosprezamos, serem gratas em canções que não sabemos cantar, creio que o pedido de gratidão hoje deve partir do lado de cá, por não terem deixado esse ato ser esquecido e nos lembrar que podemos nos unir por causas realmente justas.


Obrigado, FEB! Obrigado, Itália!

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Diga que você pode ver!

(Imagem: daqui)

A rotina, às vezes, não nos deixa meditar sobre a natureza de nossos trabalhos. Estava fazendo as contas de quantas pessoas perdemos do ano passado pra cá. Foram pais, mães, avós, irmãos e amigos... Não consegui mais ter a certeza depois do número quatorze. E estávamos nos mantendo tão longe, então outras coisas também os alcançaram. Ao somar os que se foram infectados, os pais e irmãos de meus colegas e amigos e alguns colegas, a ficha caiu como quando você percebe um carro prestes a te atropelar. 

Passo algumas noites em claro às vezes. Não consigo confiar no que vejo na TV, pois pra mim os números tem nomes. E a doença é tão lucrativa para quem só sabe contar. O medo é a maior fonte de lucro que a humanidade poderia se apropriar. Há ausências em muitas casas conhecidas e isso faz tanta falta no dia a dia no trabalho e depois que estou em casa... Não tinha parado para pensar por talvez não querer sentir, mas foi como tentar curar uma ferida apenas botando a mão no lugar de onde o sangue está saindo!

Não conseguia parar de questionar as chances de ter levado o mal para muitos deles quando nos procuravam, mesmo com todos os cuidados, mesmo sem apresentar sintomas. No dia a dia falamos para esquecermos, que o risco é a natureza de nosso trabalho nessas ocasiões e que seria pior se não estivéssemos ali. Muitos de nós também não caímos? Alguns para nunca mais... Era uma guerra desde o inicio, e de que serviram os pacifistas se não nos deixaram enxergar? 

De um ano pra cá eu tenho dormido mal às vezes, e tenho me privado de algumas coisas para que pessoas não se percam. Mas agora tudo isso pareceu tão inútil que senti vergonha por não ter chorado essas dores antes. Por não ter lutado com todas as armas disponíveis. Agora é tão fácil entender que não adianta ter um lugar para voltar se as pessoas que iluminavam esse lugar não estão mais lá. Virei um robô de um ano pra cá e não consegui enxergar até os faróis inundarem minha retina. 

Pensar que filtrar as informações e agir com base nisso numa passividade inexplicável nos livraria do mal foi uma ilusão. Nós protegemos as portas e as janelas para depois olharmos atônitos a inundação solapar os alicerces por outros motivos também. A casa está de pé, mas qualquer vento balança toda lagrima agora. Que peso maldito! Que escolha furada ser um pacifista em um mundo em guerra! A punição para esses será pior. Lidar com as ausências já é... 

Nós que estamos aqui vamos fazer a única coisa digna que nos resta que é reerguer espíritos e humanidade. Para os que foram sem despedidas dignas, vão em paz! Que o Criador os receba em Seu seio e nos perdoe por nos curvarmos tão fácil ao mal e às ameaças.

domingo, 21 de março de 2021

A cidade sob o céu - III Movimento


(Imagem: de um dia depois do trabalho)


Cumulonimbus ou Ar rarefeito ou Caos

Todo dia a noite apaga
A estrela que ilumina
E o vento levava as folhas
Que se enroscavam no portão
E furacões levavam bairros inteiros
Quando morávamos no mesmo quarteirão

E eu tinha de estar de leve bêbado
Para alcançar aquela felicidade
Mas nós nunca conseguíamos lembrar
E já é tempo de esquecer
Não quero ver a festa acabar
O que mesmo podemos mover?

Podia jurar que essa samba era um blues
Ah, eu podia jurar!
Mas não, não é. Não sei por que não é.

Vem ver uma coisa que meu pai tem na gaveta
Você ainda se assusta com essa imagem?
Ele me fez prometer que eu iria esquece-la
Quando voltasse a ficar triste

Ah, minha cara. Lá fora
Há tantos gritos e explosão
Aqui dentro é tão difícil. Confusão
E você chorava por uma estrela
E eu pelas constelações
Enquanto furacões levavam bairros inteiros
Os furacões levavam bairros inteiros!


domingo, 14 de março de 2021

A cidade sob o céu - II Movimento


(Imagem: de um dia depois do trabalho)


Stratu ou Asfalto Molhado

O céu atrás das nuvens
Asfalto molhado
Poças d'água nas calçadas
Posso te ouvir daqui
Ou a centenas de quilômetros
Ela está sugando a sua vida
Posso ver daqui
Ela sugando a sua vida

Ei, pegue uma guitarra
E grite bem forte!
Vamos nos trancar no quarto 
E cantar o mais alto que pudermos
Para bem longe daqui
Para centenas de quilômetros
Se parar a cidade matará você
É, ela matará você!

Então deixe o vento até quebrar o concreto
Mas não vamos parar com a canção
É amor enquanto o efeito não passa
Será amor até o efeito acabar
Se parar a cidade te matará
Se parar a cidade matará você
Isso é tudo o que ela sabe fazer
Isso é o melhor que ela pode fazer

Quando chove
O asfalto molhado cheira à margarina
Quando chove
Nossa cidade inunda, das portas às esquinas


domingo, 7 de março de 2021

A cidade sob o céu - I Movimento


(Imagem: de um dia depois do trabalho)


Cirrus ou Calçadas e jardins

Ombros em todas as direções
Olhos e olhares e as multidões
Vias em tons escuros, em caminhos que atravessamos
Vias invisíveis, fios de cabelo flutuando
Ruídos soando em lindas canções

Projéteis procurando abrigo
Num coração perdido
Paraísos e abismos
Pores do sol esquecidos
Firmamento derramado
E câmbio flutuando
Pra partir daqui tem que lutar

Há um rumo certo em outra direção
Na contramão das cópias de cópias
E dos homens anarquistas
E dos homens em Mercedes
E de todo o ódio da TV
E do "Ser ou não ser?"
Que agora é a razão

Um mergulho na multidão
Atravessamos as barreiras invisíveis
Na vida in flutuando

Que a chuva lave a cidade que eu amo
Que a chuva leve a cidade que eu amo
Que a chuva leve e lave o tanto quanto
Eu odeio a cidade que eu amo


domingo, 21 de fevereiro de 2021

Pausa para os comerciais

(imagem: daqui)

Todas as pessoas que admiro
Morreram felizes no dever
Não é estranho o garoto da TV?
Ele diz como será nossa vida
Quando seus amigos viram lembranças
Você sabe que está só
Estava traindo a mim mesmo
Mas assumo a culpa por aqui

A vida não é um comercial

Há caminhos de prudência
Eles tem luz em seu fim
Não é estranho o garoto da TV? 
Todos querem copia-lo
Todas as pessoas que amei
Elas não foram iguais
Fizeram de nossa juventude um auge
Por que não nos permitimos filhos ali?

Nossas vidas não são comerciais

Se sua paciência te deixar que espere
Gostaria de dizer algo cafona
Não é estranho o garoto da TV?
Ele nos transmite apatia
Então uma briga poderia resolver tudo
Mas fingimos esquecer e deixamos de nos gostar

A vida não é um comercial
Nossas vidas não cabem ali, não.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Como sair do labirinto (Texto encontrado!)

(Imagem: daqui)

Decidimos por uma tragédia e depois por um erro. O melhor dos erros, no caso. Não trataremos disso agora, erros são erros, mesmo que cada um ame os seus.  

Mas eu não vim aqui para ficar, por isso a pressa. Daqui do fim do mundo, tudo é espantosamente fugaz. veja as pessoas que são uma revolução, elas buscam pares que são seus opostos e assim a dança nunca tem fim. Essa mesma dança me deixou tonto por muitos anos. Eu sei o que acontece no olho do furacão. O ódio cega e tudo  vira o nome que você escolheu dar - Ladeira abaixo, beco sem saída.

Os filhos dos homens não tem desculpas para serem reféns, nem para amar os dois lados do ódio. Não precisamos sangrar os semelhantes acusando quem xingou o palavrão mais feio, quem atirou a pedra mais longe, quem mentiu primeiro. As pessoas que ainda estão nessa dança só pensam que vieram aqui para ficar por não darem um passo para fora e respirar. 
Cada lado edifica um degrau escolhendo a parte do corpo de alguém que precisará deixar de existir para o alicerce estar fixo. Quanto tempo corpos e regras duram num mundo que fica sentado na porta de casa esperando todos nós passarmos? 

Eu não vim aqui para ficar. Eu não vou levar o seu sangue! Nesse exato momento luto para não revidar, mas você dança de uma forma tão bela que atrai o meu oposto e eu fico. Por você eu fico. Eu quero te convencer e você a mim. Nós nos amamos ao mesmo tempo em que queremos um ao outro mortos, pois a música nunca para de tocar. Alimentamos essa dança, pois achamos que vamos estar aqui amanhã ou depois de amanhã, mas não fomos feitos para ficar, não do modo que estamos. Os construtores e desconstrutores sabem disso. Todos eles.

O olho do furacão é perigoso para eles, pois denuncia uma paz maior fora desse caos, mas nem precisaremos passar pelo caos de novo para alcança-la. Existem outras danças, outros ares e outros sons. O redemoinho não é o melhor caminho. Não vamos entrar por ele. Estive à beira da morte e estou aqui, no contratempo, para te contar. Estamos construindo compassos para prisões dos que virão depois de nós, sejam dos que dançam no tempo ou dos que preferem não.
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Precisamos estar ao lado dos que param. Ao lado dos que foram atacados por ambos os lados e não acharam abrigo em lugar algum. Apenas os que entram pelas janelas são ladrões. Apenas os que entram por elas! Os que saem pulando através delas é que herdarão a terra. Não há portas de saída por aqui. Só enxergamos isso quando paramos a dança. Quando atraímos a guerra não alimentando ela. Mas ai já não importará o que fazem a nós. Nesse momento é que percebemos que não somos dos que vieram aqui para ficar. 

Não construiremos prisões para os que vierem depois de nós de qualquer um dos lados. Os compassos vazios serão as janelas que deixaremos para eles na canção, sem sangue, ódio ou rancor. Um caminho para a porta fora daqui que só existe no silêncio. Uma porta de onde dá para ouvir uma voz encorajadora suave a falar: "O que fazes aqui?" E nos libertar.