sexta-feira, 21 de maio de 2021

Volto ao amanhecer

(Imagem daqui)

É tão interessante perceber que a cada ano de chuvas a antiga cidade alaga mais. 

Há dois lugares que sempre volto para dentro, dois lugares de dois períodos da vida, quando quero estabilizar as coisas. E aqui fora já não é como se fosse eu quando chego neles. Quando estou lá tudo me basta e o agora não tem importância. É como se ficasse estagnado no presente enquanto a vida está correndo dentro de mim. Frio por fora, quente na mente. E a mente molda o mundo sem precisar sorrisos. Foi assim que afastei muita gente. Minha droga. 

Todas as pessoas que chegaram perto o suficiente para perceber que parecia haver dois em um só nesses curtos períodos de tempo se afastaram, mas elas não deveriam se sentir culpadas, pois eu aplainei os caminhos para elas partirem sem pensarem em voltar. Sem sentir culpa por isso. Mas você me seguiu até aqui e eu não pude entender a razão. 

Há um terceiro lugar aqui dentro e eu raramente me dou conta quando chego - eu nem sei se chego ou se ele me inunda - ele é o deserto. E você estava lá naquele dia enquanto eu estava ali despido por dentro. Como você conseguiu chegar sem pensar em ir embora?

Nos outros dois lugares sempre diziam que era como se houvesse outra pessoa. Alguém já me falou que eu parecia ser uma outra pessoa e que havia outro de mim por aí. E de todos que chegaram perto o suficiente para perceber isso me distanciei. Elas não tinham culpa. Eu só tinha medo. Eu não as ignorava, eu ignorava o presente e boa parte do que estava inserido nele. Eu dizia pontos de vista, mas eram pontos de fuga. Mas você me viu no deserto, não consigo entender como.

Eu pensei em perguntar como havíamos chegado ali, ou o que havia te atraído, mas você olhava como se soubesse que o deserto é tempo e não caminhos. Foi por isso que você me seguiu? Você sempre soube que o deserto com alguém deixa de existir?

Sempre que chove aqui na cidade e na cidade vizinha, parece que tudo sempre alaga mais que na vez anterior. Mas esse ano foi diferente. Eu não sei explicar. Credito isso ao fato de ter muito mais gente trancada dentro de casa e trancada dentro de si por conta disto. 

Eu encontrei dois pontos de fuga em minha escuridão, dois pontos de luz. Mas eu sei que é muito escuro dentro de nós, para ficar tranquilo por todos os trancados durante o mal que nos sobreveio esses últimos anos.  É por isso que quando encontramos essa pequena luz, não queremos mais sair de lá. E fugimos de quem descobre que andamos por esse caminho, ou dos que dão o menor sinal de que vão nos descobrir. 

As pessoas mais importantes, todas as que chegaram perto o suficiente de um "parece haver dois de você!", elas não tem culpa. Há paisagens estáveis que precisam ser visitadas, partes delas não existem mais no mundo lá fora. Você sabe que elas não existem mais. 


sexta-feira, 7 de maio de 2021

Às vezes

(Imagem: daqui)

Não há problema em a cidade amanhecer desse jeito. É porque, toda vez que chove, parece que o tempo para. Isso não é o mesmo que desejar sentir que tudo inunde ou que a chama se apague.

No som da chuva, a vida se acalma e nosso espirito se expande pelo silêncio causado no mundo e em nosso ser, por conta da música nos telhados e folhas.

Manhãs chuvosas são como canções em shoegaze.