domingo, 12 de abril de 2020

Mundo analógico

(Foto de Anna Shvets no Pexels)

Estamos mais conectados que toda nossa tecnologia. Os mais atentos veem que sempre estivemos. Perdemos a percepção, não as conexões. Embora não perceber seja o suficiente para abrirem caminhos em que os laços sejam desfeitos.

Hoje estamos todos em casa e um vírus na China foi transmitido para corações aqui no interior da cidade em tão curto tempo. Esqueça a localidade e a desgraça por um momento: o amor em qualquer lugar do mundo também não chegaria? 

domingo, 5 de abril de 2020

Outra fuga

(imagem: daqui)

Mais uma vez decidi correr. Fugir é uma coisa engraçada, você pensa apenas em parar de se machucar ou em não machucar alguém, e no fim das contas, já longe, descobre que levou a culpa de todos os crimes. Não é que as pessoas que estavam ao redor não tivessem sido verdadeiras, é que no desespero o ser humano sempre procura esconder seus cadáveres no quintal de alguém a preferir olhar para si. E, assim como fazemos nos cemitérios, quanto mais longe a culpa estiver melhor. "Quem não deve não foge." Culpado!

Eu deveria voltar e dizer umas poucas e boas, levantar os tapetes, mostrar os videos das câmeras nos corredores provando que eu sempre estive em outros locais. Mas agora, na lama, a paz que um condenado carrega é tão maior a tudo isso que, se a angustia não conseguir te consumir nas primeiras semanas... você confessaria tudo o que não fez para ter desfrutado desse estado antes. E no fim todos sabem que não existiam câmeras nem palavras. Nem palavras.

Não decidi ser a Madre Tereza, mas essas coisas acontecem tão rápido que a água sempre fica no pescoço antes de poder gritar para abandonar o navio. E é bem melhor estar no fundo do mar que ficar presenciando os olhares. O preço é baixar a cabeça quando os homens da lei passarem ou ter que ficar esperando a turba com tochas e paus atravessar, fazendo você se atrasar, perdendo o por do Sol do dia. Mas é só naquele dia, amanhã sempre é diferente.

Todo mundo é a prova de bala, sabe? Quando você descobre isso, dá para aguentar muita coisa. E se defender destruiria tanto de nós, provar ser inocente arruinaria reputações e faria desmoronar famílias inteiras. Eu nem ligo mais se for achado. Da próxima vez que me perceber perseguido ou procurado, quando gritarem: "saia com as mãos para cima!" vou fingir que entendi "você está livre!" e sair soltando fogos, para que me recebam atirando. Mais liberdade que um culpado, só um defunto. Não sinta pena, estou me protegendo também. Há abrigo na cidade, nas horas calmas de ônibus vazios e em uns braços pela noite a fio.

Morrer para o coração dos outros dá uma angustia tão grande. Espero suportar as primeiras semanas... anos. Não suportei das fugas anteriores? Há muita burrice nisto, mas não tem volta. Talvez depois dos primeiros cabelos brancos, quem sabe?