quinta-feira, 28 de março de 2019

O alicerce de toda a vizinhança



Essa noite me flagrei pensando em meu bairro de infância, em como seria bom se estivesse vivendo nele. Como se o calor do sol na pele e a grama verde depois da chuva ainda estivessem esperando por mim igual aqueles dias.


Tão tarde para vias hoje perigosas... voltar para todos os amigos e vizinhos e mergulhar pelas ruas através do Google Street View... ainda não era muito tarde pra sair dessa maneira atrás de lambanças, e de noite eu só pensava na minha rua e na casa que hoje não existe mais tal como era no tempo em que encontrávamos um com o outro ao final de curtos períodos de espera. Já reparou como o último adeus nem sempre é dado por nem sempre sabermos que aquela é a última vez?

Pelas ruas ensolaradas percorri o caminho que fazia para as três escolas em que estudei e para lugares que ainda conhecia como a palma da minha mão. Lembrando risos, rostos e pessoas por inteiro, senti ciumes e raiva por certas mudanças que apagaram da tela o que ainda está concreto dentro de mim, até que veio o aterrador questionamento de quantos dos que estão em meu coração ainda estariam lá. Pensar nisso fez o colorido desbotar por um instante e tornou aquele bairro um bairro fantasma, apenas com concreto e asfalto, sem o ar e o sangue que dão vida. Fui na casa de todos e fiquei perturbado com tantas mudanças, com tantas fachadas e portões cerrados. Não haviam mais portas e calçadas de grama até as salas, tudo me deixava na rua, como um estranho, um soldado que volta depois de anos à pátria e é apenas mais um.

Existem coisas que não cabem no coração, e precisam ser expressas ou vividas, ou vividas novamente. Por ser impossível se viver a imensidão por completo outra vez, me agarrei na possibilidade de manter na memória o que era, mas cada vez que percorria as ruas, tudo ia embora da minha mente, os nomes, os cheiros, as dores, e depois voltavam num turbilhão debaixo de um céu estático em uma página de internet.

Eu também me sinto em casa bem aqui, do outro lado da tela, mas não sei se reclamaria se nunca tivesse saído de lá. Então percebi que nossas raízes nunca saem de nós. É assim que os lugares que nos pertencem demonstram amor, através delas. As lembranças se tornam coisa sólida, motivo e impulso. É tudo troca. Por ter raízes num pequeno lugar, por ter amado e vivido em um pequeno lugar, posso sentir tudo de novo onde quer que eu esteja e isso é uma benção!

Dentro de nós reside a criança que éramos brincando na rua num dia qualquer, dentro de cada um de nós há um bairro de infância que nos tornou mais humanos dizendo que todo o amor e inocência podem ser vividos em outros lugares e tempos. Quem ainda lembra nunca foi embora de verdade. Basta abrir o coração, fechar os olhos e enxergar. Não existe adeus definitivo para as coisas guardadas no espirito.