sábado, 30 de setembro de 2023

O Príncipe da casa ou outra juventude

(Foto de Victoria Borodinova no Pexels)

Quando o dia fica com aquela ressonância no silêncio dos inícios das tardes por causa da quietude da cidade depois que todo mundo chega em seus trabalhos, eu lembro dos tempos em que reinávamos juntos. 

Hoje sua esposa e seus filhos ficam felizes ao me ver, e seus rostos me trazem alegria, isso desde quando eu estava iniciando minha vida adulta, e você nem era assim tão mais velho. 

Eu ia para a sua casa aos fins de semana ou à quadra na pracinha com todo o restante da garotada do bairro. Às vezes só a galera do quarteirão já bastava para jogarmos até escurecer. Chinelos misturados na entrada e bicicletas encostadas em arvores e muretas, os vídeo games e os botões, você chegava com a solução para as brigas e mandava bem em todos os jogos.

Eu tinha uma meta explicita de um dia fazer parte da linha que você montava com os garotos mais velhos no futebol na pracinha. Ter participado um dia foi o meu auge como criança! Os pés cheios de calos e o lado do rosto roxo só assombravam nossas mães quando chegávamos em casa. Nós não pensávamos nisso por muito tempo.  As garotas se juntavam ao redor, e apesar de haver caras mais bonitos por perto, elas paravam para assistir a aglomeração. Aquela diversão atraia tudo, aquele bairro foi feito apenas para isso. Feito para todos nós. 

As brigas de nossa infância e juventude eram esquecidas assim que o sol se levantava. Nós contávamos os feitos por semanas, omitindo tudo o que pudesse nos envergonhar, sempre haviam testemunhas para isso. E você reinava, sem saber que o mundo ao redor havia sido feito para nós. Para todos nós. Nas conversas da empregada, e nos olhares de seus pais e irmãos, tudo dizia que ali era o seu lugar. A casa realmente tinha uma outra cor, como o rio ao redor e as nuvens no céu tem toda vez que olhamos para eles.

Talvez as crianças transformem o mundo ao redor da forma mais eficaz que só uma vida adulta pode nos fazer esquecer. Hoje olho para esses locais do passado me sentindo alguém que olha para antigas cidades cobertas pelas areias que o tempo trouxe, com uma certa dor por a geração atual não poder viver o que foi vivido ali. Por eles não poderem reinar onde um dia reinamos. Como é estranho ver que jogávamos bola na avenida que hoje mal conseguimos atravessar por conta de tanto carro!