sexta-feira, 31 de março de 2023

Você sabe aonde vou ao entardecer?

(Imagem: daqui)


Depois de tantos pedidos para que eu fosse embora, você me pergunta onde sempre ando ao entardecer, e com um sorriso sarcástico diz que irá me seguir. Digo que vou a lugares livres e você finge espanto enquanto diz que já estamos num local livre o suficiente. Mas ele é livre para você e para a liberdade que você decidiu escolher. Ela não tem asas para mim e para outros iguais e desiguais. Você é livre para insultar, desejar o mal e até a morte. É livre para fazer tudo o que te faz feliz. 

Eu quero a liberdade de falar do que creio sem ser expulso de um lugar. De andar com os livros que leio sem incendiarem o local de onde os tirei nem quebrarem os dedos de quem os escreveu. Livre para viver o dever de todo homem que nasce na terra. O de não ser um escravo nas grades que as pessoas que veem liberdade como um fim em sí constroem para seu semelhante.

Se você pedir um exemplo prático de paz, amor e liberdade para muitos que empunham uma bandeira branca, entenderá que só é livre quem não é pego andando com eles. Esse mesmo pedido prático na frente de um espelho, pode libertar quem ousou fala-lo também. Não te digo onde vou sempre que a tarde canta por que é preciso uma outra frequência para chegar até lá. 

E não é que você não possa alcança-la. Não! É por acreditar no contrário que volto todas as manhãs para ouvir seus insultos. Eu também já os proferi para os que resplandeciam os rostos ao entardecer. E minha alma ficava nua junto com a paz, o amor e liberdade que me embriagavam fingindo serem verdadeiros, agora jogados no chão.

Não digo onde vou para que depois de você ter me seguido, não confundir as coisas achando que fui eu quem te levou até lá. Para que não caia nesse tipo de prisão. Quero que você perceba a musica que clama dentro do seu peito no exato momento em que você está para proferir mais um insulto. Ela é a chave e também não vem de nós. Apenas habita conosco. Se você calar, já estará lá. É dificil crer nisso, eu sei. Mas o caminho só se faz no silêncio que habita em nós depois que soa a canção. É como estar a beira da morte ou negando o próprio ser. 

Mas se você desviar a atenção do chão desmoronando sob seus pés, poderá sentir as asas te mantendo firme na direção de cada nota naquele lugar. E tudo o que era antigo deixa de fazer sentido. Você só pensa em voltar todos os dias para mostrar às outras pessoas o que elas podem alcançar - o presente que foi dado a elas e que não se esgota. Você acha que sou alguém que gosta de apanhar. Mas se insultos e indiferença forem o preço, a liberdade é muito barata. Cada novo rosto resplandescente é um salário mais do que justo de receber.