quarta-feira, 21 de abril de 2021

O herege da pós-modernidade

 (Imagem: daqui

Os homens que querem mudar o mundo, lutar pelo bem universal e pela igualdade na terra, vieram até a minha porta hoje outra vez. Na verdade eles nem precisariam, já que estão em minha TV e smartphone lá dentro de casa. Me aconselharam que era bom questionar as coisas e abrir sempre a mente. Mas eu não caí nessa conversa. Sei o modo que serei tratado se questionar determinadas coisas na frente deles, pois outros vieram antes. Mesmo sem precisar. 

Quando, ali encostado no portão, lembrei de certas coisas ocorridas nos últimos anos e há poucos meses - como amigos amáveis agora abduzidos e meio mundo fazendo chacota de uma mulher contando o relato de seu estupro, por ela não ser como eles, como se rir disso fosse ok enquanto agora desrespeitar uma robô que nem existe é o fim do mundo e algo a ser levado à sério - e ri daqueles homens. Eles não entenderam. Eu não sou de explicar. 

Nesse quase um quarto de Século XXI, nosso relativismo moral faz entender como chegamos à brutalidade das três grandes ideologias nefastas do Século passado e, comparado a situação de pandemia atual e até da Peste há cem anos, esse mesmo relativismo faz ambas serem simples "gripezinhas". Não há vírus mais nefasto que uma forma de pensar ancorada no nada, levada pela maré ao sabor do desejo de posse ou liberdade da moda. Assim abrigamos o que mais infecta a raça humana desde o seus primórdios: a indiferença com quem está em nossos caminhos.

Aquele portão ficou fechado e os homens foram embora. Mas eles não são homens de ir embora, pois sabem que já não encontram tanta resistência ao seu evangelho. Temo o que o resto desse século nos reserva, embora não ligue muito. As palavras são doces e quase convencem, mas eu vi o que elas podem fazer na prática até às pessoas que são amáveis. 

Depois de decretarem a morte de tudo o que é sagrado, agora existe um outro evangelho a ser pregado. Mas eu não sou dos que dizem amém para ele. Eles não vão me ver ajoelhar. Prefiro trilhar com os outros por um outro caminho, ainda que agora estreito e impopular.


quarta-feira, 14 de abril de 2021

Aos que vieram "de além desse monte" e às crianças que hoje nele brincam!

                                          

(Vídeo: daqui)

Num dia 14 de Abril, há 76 anos, a Força Expedicionária Brasileira rompia a linha de defesa alemã que impedia a retomada da Itália pelos aliados no evento conhecido hoje como A Batalha de Montese. Foi uma das frentes em que mais soldados brasileiros sofreram baixas na Segunda Guerra. Nossos pracinhas chegaram em terreno hostil, sem equipamento eficaz (os americanos doaram uniformes contra o frio e armas) e lutaram contra uma das maiores máquinas de guerra da história.

Até pouco antes da pandemia, crianças se reuniam com suas famílias na região que está liberta ainda hoje na Itália para cantar a Canção do Expedicionário em nossa própria língua, como forma de reconhecimento e gratidão aos heróis que ali lutaram e aos que não voltaram.
É emocionante ver idosos e adultos olhando suas crianças balançando pequenas bandeiras e cantando uma canção em outra língua que não a de nascimento. 

Naquela época, muitos outros pais e avós de filhos e netos que hoje poderiam existir, foram privados de suas vidas e liberdades para que sonhos mesquinhos pudessem aflorar, e parte do mundo se uniu contra. Nós fizemos parte disso! Pensar que hoje acusamos uns aos outros do que um dia lutamos para por um fim tão longe de casa, a um custo de nosso próprio sangue, é de envergonhar. 

Ao ver crianças, frutos dos feitos que menosprezamos, serem gratas em canções que não sabemos cantar, creio que o pedido de gratidão hoje deve partir do lado de cá, por não terem deixado esse ato ser esquecido e nos lembrar que podemos nos unir por causas realmente justas.


Obrigado, FEB! Obrigado, Itália!

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Diga que você pode ver!

(Imagem: daqui)

A rotina, às vezes, não nos deixa meditar sobre a natureza de nossos trabalhos. Estava fazendo as contas de quantas pessoas perdemos do ano passado pra cá. Foram pais, mães, avós, irmãos e amigos... Não consegui mais ter a certeza depois do número quatorze. E estávamos nos mantendo tão longe, então outras coisas também os alcançaram. Ao somar os que se foram infectados, os pais e irmãos de meus colegas e amigos e alguns colegas, a ficha caiu como quando você percebe um carro prestes a te atropelar. 

Passo algumas noites em claro às vezes. Não consigo confiar no que vejo na TV, pois pra mim os números tem nomes. E a doença é tão lucrativa para quem só sabe contar. O medo é a maior fonte de lucro que a humanidade poderia se apropriar. Há ausências em muitas casas conhecidas e isso faz tanta falta no dia a dia no trabalho e depois que estou em casa... Não tinha parado para pensar por talvez não querer sentir, mas foi como tentar curar uma ferida apenas botando a mão no lugar de onde o sangue está saindo!

Não conseguia parar de questionar as chances de ter levado o mal para muitos deles quando nos procuravam, mesmo com todos os cuidados, mesmo sem apresentar sintomas. No dia a dia falamos para esquecermos, que o risco é a natureza de nosso trabalho nessas ocasiões e que seria pior se não estivéssemos ali. Muitos de nós também não caímos? Alguns para nunca mais... Era uma guerra desde o inicio, e de que serviram os pacifistas se não nos deixaram enxergar? 

De um ano pra cá eu tenho dormido mal às vezes, e tenho me privado de algumas coisas para que pessoas não se percam. Mas agora tudo isso pareceu tão inútil que senti vergonha por não ter chorado essas dores antes. Por não ter lutado com todas as armas disponíveis. Agora é tão fácil entender que não adianta ter um lugar para voltar se as pessoas que iluminavam esse lugar não estão mais lá. Virei um robô de um ano pra cá e não consegui enxergar até os faróis inundarem minha retina. 

Pensar que filtrar as informações e agir com base nisso numa passividade inexplicável nos livraria do mal foi uma ilusão. Nós protegemos as portas e as janelas para depois olharmos atônitos a inundação solapar os alicerces por outros motivos também. A casa está de pé, mas qualquer vento balança toda lagrima agora. Que peso maldito! Que escolha furada ser um pacifista em um mundo em guerra! A punição para esses será pior. Lidar com as ausências já é... 

Nós que estamos aqui vamos fazer a única coisa digna que nos resta que é reerguer espíritos e humanidade. Para os que foram sem despedidas dignas, vão em paz! Que o Criador os receba em Seu seio e nos perdoe por nos curvarmos tão fácil ao mal e às ameaças.