No caminho que Isadora fazia para a escola, via crianças sozinhas nas esquinas ou juntas embaixo de papelões. Quando em sala de aula comentava com as amigas sobre os olhos e olhares dos meninos e meninas que via todos os dias. Isadora perguntava-se por qual motivo só ela percebia e até sentia, o que ninguém mais na escola sentia ou percebia.
Num dia qualquer depois da aula, ela dirigiu-se ao portão da escola e deu de cara com o bando, os meninos e meninas que vagavam pela rua. Aquelas crianças talvez tivessem um lar, por que não iriam para casa? Isadora olhava fixamente para eles e perguntava-se onde estariam os pais dessas crianças. Ela percebeu que o olhar dos meninos e meninas de estômago baldio perguntava ao cruzar com o olhar vazio de Isadora a mesma coisa que havia dentro de seu coração: Onde estarão os pais dessa menina? Como eles serão?
Isadora percebeu a semelhança, fazia de seu caminho de casa para a escola parte e, às vezes substituto, de seu próprio lar, assim como aquelas crianças faziam da rua sua própria casa. Talvez aquele bando, e a menina com certeza, tivessem um lar, mas será que era isso? “Era só uma questão de escolha”. Era o que sempre dizia à minha consciência para ela poder me deixar dormir a noite, muitas vezes esse artifício era em vão.
Isadora às vezes chorava quando estava sozinha. Quando as brigas com sua mãe tomavam conta da atmosfera do lar e de cada parte de ambas a rua era o refúgio – como o whisky que roubava escondida do pai nas noite silenciosas – mesmo amarga, uma hora se acostumava com ela. Isadora tem sonhos, mas às vezes os esquece por não ter alguém para contar.
Um dia vi Isadora com uniforme escolar e outras crianças vagando pelas ruas. Quando ela percebeu meu olhar em sua direção talvez tivesse percebido o inicio de minha caminhada para a perdição e a minha saida dele, então ela parou em silêncio e esperou meu próximo passo olhando para dentro de meu coração. Ela leu minha vida dessa forma singular enquanto me chamou de “o menino dos folhetos”. Isadora é uma das meninas de coração mais sensível que conheci. E o que aconteceu com ela e tantos outros era uma tragédia. Mas se não enxergar direito, será sempre algo invisível que passa por você, os meninos e meninas que nós nunca lembraremos quando chegamos em casa.
“Volte pra casa” – ela me falou numa rua qualquer com suas palavras antes de eu mesmo perceber que poderia ser salvo: “Eu sei que se pode acostumar com tudo, mas não se acostume com isso. Abrigue-se no coração de alguém, e abra a porta de seu coração também. Pois os caminhos longe disso são apenas asfalto e confusão”. Isso aconteceu há muito tempo e eu era jovem demais para dar esse mesmo conselho a ela, eu era jovem demais para levar Isadora pra casa.
3 comentários:
Gostei do Blog, parabéns!
Já estou seguindo!
http://futeblog-blogmaster.blogspot.com/
Lindíssimo texto. Dá até para palpitar na trilha sonora do seu texto. Cairia bem um Tom Waits. E a última frase é perfeita!
Aconteceu uma coisa interessante por mais difícil que a vida dessas sejam, elas ainda são crianças. Fui comprar um sorvete na rua, e uma criança pediu 0,20 centavos, eu dei.
Ai me deu uma pena perguntei aonde estava a mãe, e ele disse que tava na sinaleira, e ele perguntou quanto era o sorvete, a fome, que com certeza deveria estar não era bastante para apagar o gosto de querer se lambuzar com o sorvete.
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