
Hoje vim pra casa no fundão do ônibus quando subiu um garoto pela porta dos fundos, mais magro que eu, cheirando uma garrafa de cola. Tive leves preconceitos, mas que culpa ele tinha? Relaxei então. Menos o resto do povo, uma senhora levantou-se resmungando e foi sentar-se lá na frente, um cara saradão ficava encarando o garoto e sua roupa suja de cola, o graveto e a garrafa e então ria dele. Depois ficou fazendo cara de pit bul para o garoto que se sentiu intimidado quando o brutamonte perguntou “o que é?”, “nada” ele respondeu. Daí desceu na primeira parada depois disso, e o cachorrão se achou o máximo pra o seu amigo.
Acho que essas atitudes violentas – a minha, a da senhora, a do fortão e de todas as pessoas que ignoraram - são apenas por medo de o que está à “nossa margem” (mas não sei se alguém hoje pode estar 100% à margem de algo...) possa nos atingir, pois teremos que enxergar. Então tiramos conclusões precipitadas, fugimos ou ameaçamos. Tudo isso é só para não querer ver, ai fica impossível entender.
Lembro que quando o garoto subiu todo sujo, gritou: “de boa!” e ganhou minha simpatia ou algo parecido. Depois quando a senhora fugiu para evitar a dor de cabeça devido ao cheiro da cola, ele foi para o lugar que ela deixou vazio, do meu lado esquerdo e falou abrindo a janela; “O cara precisa de ar!”. Minha cabeça estava a mil por uma série de fatores e ao ouvir isso concordei. Qual homem não precisa de ar, de espaço, liberdade?
O cheiro da cola, às vezes, entrava em meus pulmões e posso quase que apostar que todo mundo no fundo do ônibus estava cheirando cola também.
A diferença entre nossas atitudes boas e ruins deve ser algo muito sutil, ou então estamos muito cegos!
Numa Condução movida por diferenças e indiferenças, mesmo que ignorassem, que virassem o rosto dava pra sentir o cheiro. Dava pra perceber que havia alguém ali.
E o anseio para chegar logo em casa tomou nova propulsão movida por imagens pré-concebidas... O anseio por chegar em casa trazia um alivio para nós que temos nossos vícios aceitáveis, os vícios que também usamos para fugir do que nos persegue. Igual ao garoto sujo de cola do meu lado no fundão do ônibus.