sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Selvagem e faminta

(Foto: Paula A Tirada de: http://nosilenciodosdias.blogs.sapo.pt/)
Onde você mora? O que é preciso para alguém dizer que mora em algum lugar, ou para sentir-se morando em algum lugar? Isso impede o fato de todos nós estarmos só de passagem?
Todo dia, sempre que possível, alongo ao máximo o caminho que faço para o trabalho e faculdade como também o caminho que faço de volta. È como se o que importasse não fosse a finalidade da viagem, mas o processo em si e as coisas que acontecem durante o trajeto. Como se o asfalto de dia e as luzes à noite fossem o que preciso para me sentir à vontade, em casa. Como se o jeito das pessoas que sempre vejo pela primeira e última vez...
Como se o jeito dessas pessoas em meio a tudo o que causa amor e ódio – entre uma estação e outra, entre a fumaça dos carros e o vento que sopra suave na Rua da Frente – me fizesse mais vivo. È como se toda a força esquecida num ser humano viesse à tona para enfrentar o niilismo maldoso da cidade que nos toma e nos absorve só para deixar-nos alheios à própria vida que corre em meio a tudo isso.
O deus da cidade alimenta todo um mecanismo que nos reduz a nada ao tomar-nos para si. E por proporcionar prazer e conforto, em troca permitimos nossa própria destruição.
Quando estou na rua sinto-me em casa e com direito de odiar tudo isso. Surge uma necessidade enorme de proteger a cidade dela mesma, é como amar um suicida e no fim perceber que quem estava morrendo era você, ou o próprio amor – como uma formiga tentando parar uma manada de elefantes.
Todos percebem, mas o prazer que recebemos em troca é o suficiente para baixarmos guarda e fazer com que o fluxo não tenha fim. Por isso alguém que tente falar de um Deus que pode acabar com todo o mal raramente será bem aceito, pois esse alguém diz que para o mal acabar o mecanismo que nos dá segurança e prazer também tem que ruir.
O que seria importante pra você? O fato de agarrarmos com unhas e dentes algo que está com um prazo de validade intrínseco não vai evitar que esse algo pereça, mesmo que dure mais que a vida da gente.
Por isso, em cidades como as que moramos é importante saber: De onde você mora dá para ver o sol se pôr? Você consegue sentir se é dia ou noite quando se tranca em seu quarto?
Se você sair na calçada conseguirá ver o sol nascer?
Estamos perdendo contato com o que realmente foi feito para nós...
Ontem abri as janelas e vi um lobo selvagem e faminto em meio às flores do meu jardim enquanto crianças brincavam perto dele. A visão só era bela pois o lobo ainda estava dormindo.
O que dá pra ver daí?